Hidrólise: Ela vai chegar.

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Seus sintomas são silenciosos e difíceis de serem notados. Seus efeitos imediatos não são visíveis, mas quando suas consequências aparecem pode ser tarde demais para qualquer ação reparadora.

Por Luís Gonçalves e

Ricardo Nunes

Até parece a descrição de uma doença, e de certa maneira é, mas estamos falando da temida hidrólise, que pode muito bem ser rotulada como o câncer dos solados em poliuretano. Para evitar o problema, que se apresenta como aquele solado que, de uma hora para outra, simplesmente esfarela na sua mão, é necessário conhecer um pouco mais sobre o tipo de material de que são feitos esses solados, o que vai nos ajudar a entender como acontece a hidrólise, e com sorte, a preveni-la.

 

Os solados em Poliuretano

O Poliuretano, chamado de PU pela indústria calçadista, é um polímero composto, obtido através da reação entre um diisocianato e um poliol, material que aumenta sua resistência mecânica e assim o torna mais durável. A vantagem do uso do PU em relação à borracha, nos calçados esportivos, passa, principalmente, por sua maior leveza, o que gera maior conforto e maleabilidade. Seu principal ponto negativo é exatamente a tendência ao desgaste por hidrólise, quando exposto a certos níveis de temperatura e umidade.

Mas, afinal, o que é, quimicamente, a hidrólise?

De maneira simples, hidrólise pode ser definida como a quebra de uma molécula devido à reação química com a água, que nem precisa aparecer na sua forma líquida, bastando ser vapor de água em um ambiente úmido.No caso do PU, o processo acontece nas ligações dos monômeros que formam o composto maior, o polímero, por isso pode-se dizer que a hidrólise acontece na menor cadeia do material.Daí que se entende por que os solados literalmente esfarelam durante a hidrólise: eles simplesmente ressecam [pela perda de água para o ambiente] e ´quebram´ em partículas cada vez menores. Visualmente, o aspecto é de uma ricota, esfarelando na sua mão.

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Como evitar

 Raramente a água, por si só, é capaz de reagir com um elemento de maneira a iniciar a hidrólise. Para que isso ocorra é necessário um conjunto de fatores que inclui altas temperaturas e pressão, além de algum agente acelerador- e sorte, ou a falta dela.Como alguns desses elementos só podem ser reproduzidos em ambiente controlado [laboratório], para nós, que acumulamos pares e pares de tênis, é necessário preocupação extra, sobretudo, com umidade e o calor.

Os requisitos para um armazenamento seguro de calçados com solado de PU passam por temperatura abaixo dos 30º Celsius e umidade relativa do ar abaixo dos 70% – condições praticamente impossíveis de serem mantidas em um clima subtropical como o do Brasil.No caso da temperatura, em muitas das áreas do país só é possível atingir esse número através do resfriamento artificial, o que significa que você precisa, literalmente, congelar seus pares – o que nem adiantaria, já que a hidrólise é um fenômeno químico e não  biológico.

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Na prática, o ar condicionado é um aparelho que, além de diminuir a temperatura, também retira umidade do ar, mas seria pouco prático, além de oneroso, manter seus tênis num ambiente com temperatura controlada vinte e quatro horas por dia.A medida que parece ser mais eficiente pra minimizar a aparição do problema também não é fácil: a redução e controle da umidade do ar, já que sem ela não existirá a água necessária para atuar junto aos monômeros, e ao calor, danificando seu calçado.Isso explicaria, por exemplo, a manutenção de solados por mais tempo em climas secos do que nas cidades litorâneas.

Exatamente por isso, existe a corrente dos que preferem isolar o produto do contato com o ar, através de filmes plásticos e/ou [em casos mais extremos] fechamento a vácuo.No primeiro caso seria necessário checar se o filme plástico realmente não permite a passagem de ar através de porosidades. Já no segundo, é necessário garantir que o sistema tenha sido operado corretamente a fim de retirar-se todo o ar possível de dentro do invólucro.Em ambos os casos é preciso certificar-se de o que o produto esteja seco no momento do seu armazenamento, a fim de evitar que a reação ocorra por dentro da embalagem.

Outra forma de conservação, que utiliza como princípio o controle da umidade, é o uso da sílica gel. Até a própria cadeia produtiva usa o produto quando da sua exportação, por ser fácil de encontrar e barato.A sílica retém a umidade do ar através da adsorção física, processo por meio do qual moléculas de água ficam retidas nos poros do dessecante e que faz necessária a troca periódica do material já saturado.É comum usar a sílica gel dentro de sacos do tipo ziploc ou até mesmo em conjunto com o fechamento a vácuo, assim maximizando a eficácia da prevenção da hidrólise. Um outro ponto a se considerar é o tipo de diisocianato utilizado na produção do PU e a adição de estabilizantes na sua fórmula: se o diisocianato é do tipo MDI a resistência à hidrólise aumenta consideravelmente, entretanto seu preço também acompanha esse aumento. O mesmo acontece com os aditivos e estabilizadores.

Na prática, fica difícil saber qual foi o tipo utilizado, por exemplo, na produção do seu adorado Air Yeezy, e há até os que defendam que a indústria tem usado material de menor qualidade – e durabilidade – em busca de um maior giro na cadeia de consumo. Traduzindo: produtos que duram menos tendem a fazer você ter que compra-los mais vezes.

O cuidado com a durabilidade dos poliuretanos, e sua resistência à hidrólise, no Brasil é tomado pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas – que desenvolve, periodicamente, instruções normativas específicas para cada um dos diversos usos do material, o que inclui sua aplicação nas áreas superior e inferior nos calçados esportivos.

Resumo da ópera

Em síntese, a conclusão parece ser uma só: mais cedo ou mais tarde seu tênis, com solado de PU [e os de borracha estão livres dessa praga], vai sofrer de hidrólise. Triste, mas verdade.Quão mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer depende de fatores que podemos controlar e de outros que fogem completamente ao nosso controle.

No primeiro grupo se incluem armazenamento em ambiente seco, arejado e com temperatura amena, de preferencia com saquinhos de sílica gel por perto. No segundo, estão as condições regulamentadas pela própria indústria, que busca materiais mais resistentes e condições que retardam ao máximo o aparecimento da hidrólise – mesmo porque a contagem regressiva para o seu surgimento começa na hora em que o poliol é diisocianato são misturados e despejados sobre o molde dos solados, o que quer dizer que muitos calçados podem depender do transporte e armazenamento, significando um prejuízo considerável.

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Então use bastante os seus pares, limpe-os bem antes de guardar e aproveite enquanto a hidrólise não chega.

Retirado da revista SBR (sneakers Brasil), edição gratuita de dezembro, número 3.